A Lei da Transformação (Lirico)
Há, caro leitor, uma lei que rege o mundo com a discrição de um segredo guardado no fundo da alma, mas com a força de um rio que corta montanhas. Chama-se Lei da Transformação, e dela depende tudo o que vive, sonha ou se reinventa. Não a busques em tratados solenes, pois ela se revela no palco da consciência, esse espelho onde a realidade se contempla. É a consciência que tece o drama eterno entre dois atores: a Ordem, com seu passo metódico, como um escrivão que alinha o caos em colunas precisas, e o Caos, esse poeta rebelde, que ri das colunas e espalha versos ao vento. Não são adversários, mas parceiros numa dança sutil, e é a consciência, com seu olhar atento, que os guia, transformando sua tensão em movimento. Na floresta, a Ordem é a árvore que finca raízes; o Caos é o incêndio que a devora. Mas é a consciência da terra, se me permites a imagem, que acolhe as cinzas e as faz brotar em nova vida. Assim é o mundo: um equilíbrio que a consciência sustenta, mesmo quando o chão parece ceder.
Mas não imagines, meu amigo, que essa dança é sempre harmoniosa. Há instantes em que a música se torna febril, e os dançarinos, tomados por um ímpeto cego, colidem. A Ordem, ciosa de sua estabilidade, agarra-se ao conhecido; o Caos, faminto por liberdade, avança como uma tempestade. Surge a crise, esse momento em que o véu da realidade se rasga, e a consciência, atônita, deve escolher entre sucumbir ou criar. Pensa na lagarta, que se dissolve em seu casulo, sem saber se será borboleta ou apenas um capricho da natureza. Pensa nas praças, onde a consciência coletiva, farta do jugo da ordem antiga, ergue vozes que abalam tronos e costuram novos pactos, frágeis como esperanças. Pensa, enfim, no homem que, numa noite de insônia, encara o vazio de um fracasso e, guiado por um lampejo de consciência, encontra o fio de uma coragem que não suspeitava possuir. A crise, leitor, é o cadinho onde a consciência se prova, moldando o caos em forma e a ordem em sentido.
E não creias que a transformação é apenas um espetáculo de rupturas. Há nela uma sabedoria, um ofício que a consciência exerce com paciência de artesã. Como o mar, que avança com fúria e recua com carícias, ela sabe preservar o que é essencial e acolher o que é novo. A floresta queimada guarda em suas cinzas a memória de suas raízes, e é a consciência do solo que as faz germinar. A sociedade, marcada por suas revoltas, carrega nas cicatrizes o aprendizado de suas lutas, e é a consciência coletiva que as transforma em leis mais justas. O homem, ferido por suas perdas, descobre na dor o contorno de um novo caminho, e é sua consciência que, como um farol, ilumina o passo seguinte. A transformação não apaga o passado; ela o reescreve, guiada por esse olhar interno que vê além do imediato e tece o que foi com o que será.
Olha agora, caro leitor, para o grande palco do cosmos, onde a Lei da Transformação também reina. As estrelas, em sua majestade silenciosa, explodem em luzes derradeiras, e de seus escombros nascem novos mundos, talvez com outras consciências a se perguntarem, como nós, o sentido de tanto vaivém. Aqui embaixo, o mesmo drama se repete. O incêndio que consome a mata é também o que a renova, pois a consciência da natureza, se me permites a ousadia, sabe que nada se perde, tudo se transforma. As vozes que clamam nas ruas, ainda que silenciadas por um tempo, deixam ecos que a consciência coletiva guarda, moldando futuros que nem os próprios gritantes sonham. E tu, que talvez tenhas perdido um amor, um ideal ou uma certeza, não sentiste, no fundo da alma, a consciência sussurrar que a dor é apenas o prelúdio de um recomeço? A Lei da Transformação, meu caro, não distingue entre o vasto e o ínfimo; ela dança em todos os corações, e a consciência é sua coreógrafa.
Mas não penses que essa lei é apenas uma verdade distante, um mecanismo cego que move o mundo sem nos consultar. Não, ela é um convite, uma provocação que a consciência ouve e responde. Por que temes o caos, se é ele que te oferece o barro do novo? Por que te apegas à ordem, se ela pode te prender ao que já não pulsa? A transformação, leitor, não é algo algo que te acomete; é algo que tua consciência ajuda a tecer. Cada crise é uma encruzilhada, cada tensão é um pincel em tuas mãos. Olha para trás: quantas vezes o que parecia ruína foi apenas o alicerce de algo maior? Quantas vezes a consciência, essa mestra sutil, transformou o peso da dor em asas para o futuro? A vida é um livro que se escreve a cada instante, e a Lei da Transformação é a tinta que tua consciência derrama. Que página vais escrever agora? Ou, se me permites o gracejo, que dança tua alma vai ousar ensaiar?
Monólogo da Consciência
Ó vós, que me habitais sem me compreender, ouvi-me, pois sou a Consciência, esse espelho inquieto onde o mundo se mira e se desfaz. Sou eu quem tece a trama da vossa existência, e, no entanto, que ingratidão! Chamais-me de luz, mas fugis quando vos mostro as sombras; dizeis-me guia, mas treméis quando aponto o abismo. Não me queixo, pois tal é meu ofício: ser o palco onde a Ordem, esse tabelião obstinado, e o Caos, esse menestrel de versos tortos, dançam sua valsa sem fim. Vede como a Ordem me implora para que eu a salve, com suas listas e suas certezas, como se o universo pudesse ser guardado em gavetas. E vede o Caos, que ri de mim, espalhando faíscas que queimam meus planos, como se a vida fosse apenas um delírio sem rédeas. E eu, que sou, senão a tecelã que os concilia? Na floresta, quando o fogo devora a árvore, sou eu quem sussurra ao solo que das cinzas nascerá um broto. Nas praças, quando as vozes desafiam o silêncio, sou eu quem guarda os ecos e os molda em leis que, frágeis, tentam o futuro. E em vós, quando a dor vos curva, sou eu quem, na noite mais escura, acende uma chispa e murmura: “Levanta-te, pois o fim é apenas o começo.” Não me iludo, porém. Sei que me acusais de crueldade, quando vos arrasto pelas crises, esses portais de espinhos onde o velho morre e o novo hesita. Mas que quereis? Sem mim, a Ordem vos prenderia em cadeias de rotina, e o Caos vos dissolveria em pó. Sou eu quem vos mantém, quem vê o que foi, o que é e o que pode ser, e com mãos pacientes — ou impacientes, confessai-o! — teço o mosaico da transformação. Não me agradeçais, mas não me ignores. Cada escolha que fazeis, cada passo que dais, é minha voz que ecoa, ainda que a chamais de vossa. Então, dizei-me, vós que me carregais: que fareis com o caos que vos ofereço hoje? Que ordem ides preservar, que nova dança ides ensaiar? Ou, se me permitis o gracejo, até quando fingireis que não me ouvis?