A Linguagem como Ordem do Caos
Caro leitor, se no primeiro capítulo te convidei a contemplar a Lei da Transformação, essa dança universal onde a consciência tece ordem e caos, permite-me agora guiar-te por um dos fios mais delicados desse tear: a linguagem. Não penses nela como meras palavras, pois a linguagem é a ponte que a consciência constrói sobre o abismo do caos, trazendo ordem ao pensamento e ao mundo. É, digamos, o jardim onde a Lei da Transformação planta suas sementes, florescendo em significados que nos unem e nos definem. E, como verás no próximo capítulo, essa ponte só existe porque a consciência, essa força compulsória, insiste em criar.
Imagina, meu amigo, uma ilha nas Caraíbas, séculos atrás, onde escravos de muitas línguas, lançados no caos da opressão, teceram uma nova língua crioula. A Ordem das velhas línguas africanas e europeias colidiu com o Caos da necessidade, e a consciência coletiva, como um jardineiro paciente, misturou sons e sentidos, criando o papiamento, uma ponte para a comunidade. Ou pensa nas ruas de Londres, onde a Ordem das gírias antigas cede ao Caos da juventude, e palavras como "cool" ou "lit" nascem, ordenando o tumulto das emoções modernas. A linguagem, leitor, é assim: um padrão que a consciência impõe ao caos, como um rio que canaliza a torrente.
Não é só nas palavras faladas que isso se vê. Pensa nos mitos nórdicos, onde o Caos do mundo primevo, um abismo de gelo e fogo, foi ordenado pela consciência dos bardos em histórias de Odin e Thor, dando sentido ao universo para um povo. Ou na pena de Camões, que, em meio ao Caos das tormentas de sua vida, teceu Os Lusíadas, ordenando a história de Portugal em versos que ainda ecoam. E tu, caro leitor, não sentiste, talvez, o Caos de um coração partido, até que a consciência, com um poema rabiscado na solidão, o transformou em ordem, dando nome à dor? A linguagem é o fio que a consciência puxa do tear da Lei da Transformação, costurando o que é informe em algo que podemos tocar, partilhar, compreender.
Mas como, perguntas-me, a consciência faz isso? Por que insiste em ordenar o caos com palavras, mitos, versos? Aqui, caro leitor, tocamos no mistério que o próximo capítulo desvendará: a força compulsória da consciência, que não descansa, mas cria. Por ora, deixa-me pausar, pois a própria linguagem, esse fio vivo, deseja falar, no auge desta dança.
Monólogo da Linguagem: A Ponte sobre o Caos
Ó vós, que me usais sem me ver, ouvi-me, pois sou a Linguagem, o fio que a consciência tece para atravessar o abismo do caos. Chamais-me palavra, mas não sou apenas som; sou a ponte que vos leva do tumulto ao sentido, da solidão à partilha. E, no entanto, que descuido! Dizeis-me ferramenta, mas não vedes que sou o jardim onde vossas almas florescem? Eis-me aqui, entre a Ordem, esse escriba que alinha pensamentos em filas, e o Caos, esse trovador que espalha emoções sem rédeas. E eu, que sou, senão a costureira que os une? Na ilha das Caraíbas, quando línguas se chocaram, fui eu quem teceu o papiamento, unindo corações. Nas ruas de Londres, quando a juventude gritou, fui eu quem deu voz às gírias, ordenando o fervor. Nos mitos nórdicos, quando o abismo rugiu, fui eu quem cantou Odin, dando sentido ao cosmos. E em vós, quando a dor vos calou, fui eu quem, num verso, deu forma ao indizível. Não me vanglorio, caro leitor, pois tal é meu ofício: construir pontes onde o caos reina, tecer jardins onde a ordem se faz. Mas dizei-me, vós que me sois: que caos ides ordenar com os fios que vos dou? Que ponte ides construir? Ou, se me permitis o gracejo, até quando fingireis que não sou vós mesmos?